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Carta a um Superdotado




Sobre a vida, inevitavelmente preciso dizer o quanto pode ser desafiador estar na Terra. Àqueles que sentem demais, ela pode doer, e muito. Porém, não deixe que os outros te façam pensar ser errado sentir demais. Talvez o problema é que você também os sinta demais e, com isso, perceba emoções que não lhe dizem respeito. Por isso, devolva a quem elas pertencem e siga sua vida com leveza.

Crescer vai doer também. Principalmente porque é nesse processo que você vai perceber que as ações dos seres humanos não condizem com o que eles dizem ser adequado em sociedade. Talvez nada disso tenha lógica. Talvez você precise abrir mão de um ou dois conceitos sobre o que espera do mundo, a fim de preservar sua sanidade. Ainda que isso aconteça, não deixe de agir de acordo com seu coração.

Sua sensibilidade é sábia e permanecer conforme seu caráter vai te dar mais força. Não deixe que sua intensidade te assuste e não proteja ninguém dela. Cabe a cada um cuidar de si mesmo, não a você. Não corte fora pedaços de quem você é para que os outros não sofram. Incentive-os a lutar por seus próprios potenciais e aceite que muitas vezes você será aquele que vai desbravar novos caminhos e, por isso, será exemplo e será seguido. Você pode pagar um preço por isso, mas continue firme.

Aceitar quem você é por inteiro talvez seja uma das tarefas mais difíceis que você vai viver. Provavelmente você passou a vida toda pensando que não era nada demais. Possivelmente você sempre se sentiu um peixe fora d'Água e nunca soube dizer a razão disso. Você talvez tenha escutado a vida toda que é feio ser bom demais em algo, que é feio alcançar os objetivos antes. A estas pessoas que pensam assim, diga: também sou humano! Não exija demais de si mesmo.

Entenda que pode ser estranho, mas que algumas coisas são aprendidas além do racional e você terá que repetir diversas vezes até ganhar experiência. Só depois disso conseguirá produzir mais próximo ao que idealiza. Aceite também os seus erros e suas imperfeições. Apesar de serem ruins, há um bom motivo para aprender a amá-las, pois graças a elas você pode ser humano. Ser perfeito nunca fez ninguém feliz, simplesmente porque isso não existe.

Seja flexível e não espere demais dos outros. Cada um que está em sua vida pode te ensinar algo que você jamais conseguiria sozinho. Eles também têm dificuldades e cometem erros, assim como você. Quanto mais você for capaz de aceitar suas próprias imperfeições, mais saberá amar quem está ao seu redor e compreendê-los em sua singularidade.

Quando estiver muito difícil, permita-se viver o seu silêncio. Escolha um ou dois lugares só seus para fazer o que mais gosta, sozinho. Respire e só volte ao mundo com as energias recarregadas. Explique aos outros o quanto isso é importante para você, para que eles entendam e não se sintam rejeitados. Nem todos sabem ler sinais como você faz.

Apesar de tudo, seja você. É certo que apenas vivendo podemos encontrar a nossa própria medida para as coisas. Respeite seu movimento, cerque-se de pessoas com quem você pode ser inteiro. Feche as portas para o que não te serve e preserve o que te faz bem. Você só será infeliz se não souber respeitar a si mesmo.

(Autoria de Daphne Queiroz, 2012)


Ser superdotado é...


Viver para superar os próprios feitos, fugir desesperadamente dos defeitos, até entender que os erros guardam a força. É sentir-se inadequado ao fazer tudo certo, porque o quadrado que mede a média é o mesmo que abarca o tédio. É encontrar perguntas nas respostas, e algumas respostas nas próprias perguntas. É mergulhar fundo em dores e amores, para achar em meio aos temores, um jeito digno de viver. É buscar freio para as horas gastas, principalmente aquelas que não bastam quando criar é sinônimo de prazer. É ver a mente esquecer das vísceras, sem fazer nenhuma pausa quando encontra lazer. É sofrer com o indizível, querer ser um pouco invisível, para os outros não se incomodarem com seu tamanho. É por vezes fingir ser mais lento, diminuir os detalhes e procurar (sem encontrar) os seus pares. É se decepcionar muitas vezes até entender que cada um só oferece o que tem. É achar difícil confiar em meio a tantas incertezas, e ainda assim decidir dar a chance a alguém. É pedir desculpas pelo que não disse, sofrer demais com tolices, até amadurecer. É sentir-se meio extraterrestre e nem sempre saber de onde o talento vem. É estar sempre um passo à frente, ser ter tido tempo suficiente, para aprender com a vida a ser gente. É preocupar-se demais com os planos, tentar acolher os processos humanos e entender que o relógio do corpo difere da mente. É não compreender a hostilidade, sofrer com a falta de verdade e às vezes querer descer do trem. É ter mais do que cinco sentidos quando a sensibilidade parece ir além. É traçar sempre as metas mais altas e frustrar-se por nem sempre conseguir de primeira. É ser muito bom em muitas coisas, embora em nem tudo da mesma maneira. É achar estranho o que é difícil, só por ser meio raro em seu repertório. É resistir em “se achar” no espelho e achar o elogio um pouco ilusório. É aprender que o tempo é ferramenta, que o processo é o lema do planeta, e que os meios são mais valiosos que os fins. Afinal, nenhuma semente germina em apenas um dia em qualquer jardim. É acolher a própria intensidade e parar de lutar contra a força que o torna gigante sem sua permissão. É entender a própria missão, não mais fugir do coração, para se descobrir no lugar correto, mesmo quando o mundo da infância parecia dizer que não. Daphne Queiroz, 2020

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